Quando morremos fecham-nos as pálpebras. Retiram-nos as roupas. Passam um pano húmido coberto de anti-séptico. E limpam-nos. Limpam-nos da porcaria que se mantém agarrada ao nosso corpo. Depois? Vestem-nos. Vestem-nos e somos levados. Levados e colocados em câmara ardente. Quem de nós gosta encontra-se com o nosso corpo frio e rígido e de alguma forma presta-nos homenagem pela vida que vivemos. Habitualmente chora-se. Carpe-se como se o mundo estivesse a ser engolido pelo apocalipse.
7 anjos.
E chega o dia da festa: a festa da nossa despedida.
Os entes queridos, os amigos, os conhecidos, o padre ou simplesmente o cangalheiro, translada-nos da câmara para a sepultura, onde a cova já por nós espera, impaciente. A terra acolhe-nos, invadindo o nosso corpo. A comunidade? Aliviada da sua comoção: este corpo tão cuidadosamente lavado, tão meticulosamente vestido, vai partir, consumido pela terra que tanto gera como reabsorve. À sua decomposição não terão de assistir. O luto mais depressa cairá.
Sepultados ou enterrados, vamos para longe. Longe dos afogados olhos que agora retiram.
E depois comem. Comem como animais. Empanturram-se de comida, inundam-se de álcool; afinal é de uma festa de que se trata! Ou não?! Muito comem as bestas.
Pergunto-me se não deveria morrer mais gente? Talvez assim estivéssemos sempre em festa. Talvez assim pudéssemos nos encontrar mais vezes. Uns com os outros. Em comunhão.
7 anjos.
Prefiro carpir a sós.
O caminho da dor (da minha dor) faz-se na solidão.
Porque quem eu amava já ali não está.
O que morre na terra nasce no céu.
O que morre na terra nasce no céu.
7 anjos.
Quando o meu dia chegar, e eu no meu corpo já não habitar que o fogo consuma a minha representação física porque dela já não precisarei. Que as cinzas sejam espalhadas pelo mar ou por algum rio, onde sempre encontrei a paz. Pois que a encontre uma vez mais.
Se o que morre na terra nasce no céu.
Talvez o que morra no céu nasça na terra.
7 anjos levaram-me.
Que outros 7 tragam-me de volta.
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