quinta-feira, fevereiro 07, 2008
“Que as brumas cheguem cedo”
Vejo-me como se já estivesse fora de mim
Sereno, contemplativo
Caio lentamente mas depressa me afundo
Morosamente arrastado para as profundezas do fogo
Para que das cinzas retorne
Sem nome e sem destino
Sem curiosidade nem hino
Vejo-me a levantar, irado, ferozmente
Vejo-me como se estivesse prestes a reclamar-me
A reclamar o corpo marcado da sina infeliz
Que ser algum ouse levar o que é meu
Erguido expulsando sangue para os canais
Que raiado fique o olhar da vingança
Espumo como cães com cio
Nojenta e barbaramente
Purgo-me do esgoto acumulado em mim
Tenho fé
Fé nas cicatrizes eternas que me amaldiçoam as mãos
Fé que desapareçam de forma rápida e inesperada
Quero as mãos vazias
Desprovidas de esperança ou significado
Obrigadas a rasgarem-se para algo escrever
Tenho fé
Fé que as brumas cheguem cedo
E que cedo me levem para lá.
“Cabrestante”
Ainda que o vento sopre
E a tempestade não se extinga
Ainda que a maré alcance a lua
E a electricidade esteja em fúria
Ainda que o barulho nos encontre postrados
E a sede não resista ao sal
Ainda que o silêncio seja gritado
E a respiração exacerbada
Ainda que a espera seja longa
E inifinita a esperança de sobreviver
Ainda que as mãos cubram a cabeça
E os traços permaneçam esfíngicos na sua rectilinearidade
Ainda que o interior imploda
E o exterior retraia na sua inferioridade
Ainda que as células se multipliquem
E o ser se mantenha inalterável
Sei que a mudança irá consumar-se
Está em curso sinto-a a nascer
Sei que a pele esfarelar-se-á
Dando origem a um mapa de pontos celestiais
Os quais irei percorrer, um por um
Todos, ou apenas nenhum
E no abandono sempre saberei
Que não importará a ausência ou a distância
Caído no ocaso ou caminhando no levante
O regresso sempre encontrará o seu cabrestante