domingo, outubro 30, 2005

A Madrugada Paralela

Gostava que a minha voz não seguisse o seu percurso inalterada até se esbater. Gostava que o som da chuva pressionando os meus tímpanos fosse mais forte, tomasse conta de todo o meu campo audtivo. Gostava que as frases que escrevo parassem de uma vez por todas de serem escritas como forma de pára-raios do meu humor. Gostava de gostar do que tu gostas cada vez mais e mais - mas tal afigura-se cada vez mais impossível, tal como já o fora num passado demasiado próximo para a memória se apresentar condescendente. Gostava de ser inundado num bater de asas por sonhos e madrugadas paralelas às minhas próprias. Gostava que gostasses de gostar de uma aceleração exponencial seguida de um gradiente nulo. Gostava que parasses e batesses com força nessa redoma impenetrável que te mata que me mata por te manter assim tão fora de mim. Gostava de ser capaz de passar por qualquer forma de barreira que levantasses, que erguesses ou que desejasses. Gostava de não me repetir uma, duas , trinta e três vezes sobre a mesma agitação de sempre. Gostava que o que ouvisse correspondesse à realidade e que essa realidade fosse continuadamente sincera comigo. Gostava de trazer um conforto urgente à madrugada que desenho na vontade de Deus. Gostava de tornar certa a vã ideia que um dia em mim nasceu. Gostava de terminar mas não sei como poderei acabar, como poderei parar esta forte corrente que as linhas insiste em descerrar. Gostava de sentir próxima a disponibilidade e a grandeza de ter um albergue de segredos com quem partilhar. Gostava de gostar de parar - porque as palavras surgiram longas e sem o dom de acalmar.

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