terça-feira, janeiro 22, 2008

Flôr de sal

Enquanto as ondas descansam em terra e a luz percorre as trevas, é nas estrelas que esculpo o teu perfil, com a pressa que não sei ter e o vagar displicente de quem vive tomado pela paixão; enquanto o frio não se deixa subjugar pelo aguardado dia corro as linhas que se cruzam nas nossas mãos, projecto-as na vã esperança de que a eternidade possa eventualmente ser a perpetuidade das nossas vidas; enquanto as vozes sossegam para subirem na manhã, oiço-nos e penso que afinal não estarei só; enquanto o horizonte se esconde e a lua seraficamente nos contempla deixo que as lágrimas queimem a abençoada noite; enquanto a distância continuar a permitir sentir-me próximo; ocupo-me.
Dactilografo o que os olhos ditam:
Saleiro.
Abat-jour em pé alto, mesas negras em conspiração. Poufs, poltronas, sofás.
- “Vai tomar algo senhor?”.
O gelo impede o passeio. O gelo e a humidade. Por muito apetecível que este deck possa ser.
Contam-se caixas. A poucos metros de distância constroem-se navios. Processa-se o aço. Dos painéis ou chapas, aos pequenos conjuntos. Aos conjuntos. À mecânica. Sobem em milhares de peças, na segurança da doca seca. Recortes a plasma.
O subsolo corre estreito da estação de Viana ao mar.
A “Adega do Padrinho”, oferece fado e acalmia ao estômago.
Hoje, amanhã e depois é daqui que sempre parto.
Do branco e do preto.
Da espaçosa solidão que me tranquiliza.
Sob a estrela de uma Flôr de Sal.

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